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Reforma tributária precisa contribuir com redução da desigualdade

Movimento sindical precisa se mobilizar para conquistar isenção para mais pobres e menores rendas e tributação da riqueza e maiores alíquotas para altos salários

A tarde deste segundo dia da 25ª Conferência Nacional d@s Trabalhador@s do Ramo Financeiro iniciou com debates sobre um dos principais temas em discussão no país, a reforma tributária, que é prioridade do atual governo, mas expõe a disputa entre os movimentos sociais e a classe empresarial e os super-ricos sobre o modelo de sociedade e sistema tributário a ser implementado no país. A mesa contou com a exposição do ex-ministro dos governos Lula e Dilma e ex-presidente do Seeb SP, Ricardo Berzoini e da economista e técnica do Dieese, Rosangela Vieira.

A presidenta da FETEC-CUT/SP, Aline Molina, participou da mesa, destacando que falar de Reforma Tributária é falar sobre distribuição de renda.

”Não adianta falarmos de reforma tributar sem falar de distribuição de renda nesse país para trabalhadores e trabalhadoras de forma justa e igualitária e para que tenhamos democracia sempre, porque as reformas até hoje só serviram para 1% da sociedade que não são tributadas. Que saiamos daqui preparados para essa luta!”

A economista, técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Rosangela Vieira dos Santos, ressaltou que o sistema tributário serve para financiar as políticas públicas realizadas pelo Estado e observou que existem alguns princípios básicos a serem observados, como a capacidade contributiva, a legalidade e tipicidade do sistema.

Rosângela lembrou que o conteúdo a ser falado está nos slides da apresentação que será disponibilizada no site da Contraf-CUT e, ainda mais adensada, na Nota Técnica do Dieese sobre a reforma tributária.

A economista observou que a arrecadação tributária brasileira (30% a 35%, em média), propalada pela mídia e grandes empresários como sendo uma das maiores do mundo, na verdade, é bem inferior à praticada pelos países europeus.

Base de incidência
Para a economista, é preciso ampliar o debate sobre a base de incidência, ou seja, de onde devem ser cobrados os impostos e taxas. Ela explicou que existem duas formas de cobrança:

direta, que é feita sobre a pessoa, de acordo com sua capacidade contributiva, ou seja, de acordo com seu rendimento e riqueza, como, por exemplo, o imposto de renda, o imposto sobre herança e o imposto sobre lucro e dividendos;
indireta, que é embutida nos preços de produtos adquiridos pelos consumidores e que é pago pelo empresário, que recolhe o imposto, e pelo consumidor. “Na verdade, quem paga o imposto é o consumidor e, independentemente de ser rico ou pobre, quem compra paga a mesma coisa”. Exemplos de cobrança indireta são o ICMS e o IPI.
Rosângela explicou que a base de incidência também interfere na progressividade, ou regressividade do sistema. “O sistema tributário regressivo é aquele que arrecada proporcionalmente mais daqueles com menor renda. São focados na tributação sobre consumo”, explicou. No Brasil, a principal fonte de arrecadação é baseada no consumo.

“O sistema tributário progressivo, respeitando os princípios de legalidade, tributa proporcionalmente as pessoas com maior renda e riqueza. Nestes sistemas há o predomínio da chamada tributação direta, com maior participação de impostos sobre renda, lucros e patrimônio e menos sobre o consumo.

Reforma fragmentada
A economista do Dieese observou que a reforma no Brasil é feita de forma fragmentada. “Num primeiro momento trata sobre a ‘simplificação’ do sistema, com a fusão de impostos no chamado IVA. Somente posteriormente serão tratadas as mudanças de natureza tributária”, disse. “Mas, na verdade, algumas mudanças com foco no debate sobre responsabilidade fiscal no Brasil, já foram realizadas, como a Emenda Constitucional (EC) 95/2016, conhecida como emenda do teto de gastos, a Lei da Terceirização, a reforma Trabalhista e o decreto de terceirização no serviço público, e outras estão em tramitação, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020, que é a chamada reforma administrativa”, disse. “Todas estas mudanças propostas ou já realizadas acabam alterando a responsabilidade do Estado na execução de políticas públicas”, observou a economista do Dieese.

Propostas do movimento sindical
Rosângela também apresentou o que, segundo o economista Bernard Appy, secretário extraordinário da reforma tributária, é um bom sistema tributário e quais são os problemas do atual sistema tributário brasileiro.

E também os princípios defendidos pelos movimentos sociais para a reforma tributária.

Garantir financiamento adequado do Estado de bem-estar social brasileiro, com universalização da saúde, educação e seguridade social, condição essencial para a cidadania plena;
Redução das desigualdades sociais;
Dessa forma, o eixo fundamental é justiça fiscal com progressividade;
Que os ricos paguem mais impostos, ao contrário do que ocorre hoje onde, proporcionalmente, os pobres pagam muito mais impostos;
Aumentar tributação direta e reduzir indireta.

O ex-ministro Ricardo Berzoini disse que, devido à excelente apresentação feita pela economista do Dieese, ele poderia se eximir de entrar em questões técnicas e poderia se aprofundar um pouco mais sobre o debate feito no Congresso e as propostas do movimento sindical para a reforma tributária.

Para Berzoini, a sociedade brasileira e, por consequência, o povo brasileiro têm duas grandes bolas de ferro presas, uma em cada perna. “Uma é o sistema tributário, pois nós temos o pior sistema tributário do mundo. Outra é o sistema financeiro. Falo com convicção, pois desde os anos 1990 eu venho estudando essas duas questões”, ressaltou. “Por mais que a gente trave lutas importantes na sociedade, se não enfrentarmos essas duas questões, será difícil o Brasil se tornar um país justo”, completou.

Mas o ex-ministro diz que este fardo não pode ser colocado sobre o atual governo. “Não será o governo Lula 3 que irá resolver esse problema, sobretudo por conta da configuração do Congresso Nacional.

Para Berzoini, será necessário o acúmulo de forças da classe trabalhadora para resolver estes problemas, que são gritantes e nos distanciam do sistema tributário de outros países e contribuem para o aumento da desigualdade.

“Temos o pior sistema tributário do mundo, em que, desde 1996, quem recebe lucro não paga imposto. FHC fez isso porque precisava ampliar a sua base empresarial e, então, deu essa benesse aos empresários”, lembrou. “E ainda existe outra coisa absurda que é a dedução sobre os juros de capital para empresas que fazem sua contabilidade pelo lucro real”, completou.

Para completar, as heranças são subtributadas. “Nos Estados Unidos, os grandes herdeiros pagam até 40% de imposto. No Brasil, a alíquota máxima é de 8%, por conta de uma resolução aprovada há 31 anos”, destacou o ex-ministro. “Todos esses são elementos importantes, que estão no coração da desigualdade. Nosso sistema tributário propaga a desigualdade e acrescenta, a cada geração, mais desigualdade”, disse.

É preciso mobilização
Berzoini, mais uma vez, convocou o movimento sindical para se mobilizar. “Se a gente quer mudar isso, é preciso construir um novo sistema tributário. É muito importante que seja aprovada a primeira parte da reforma tributária, para simplificar, combater a guerra fiscal e dar mais justiça social ao sistema tributário. Mas é apenas uma parte. É preciso que seja aprovada a segunda parte, para avançarmos na tributação sobre riqueza e renda”, disse ao afirmar que o Brasil precisa se equiparar aos EUA, Inglaterra e Alemanha, considerados pelo ex-ministro como as capitais liberais. “O que foi aprovado agora é a parte dos impostos sobre consumo, que não resolve as desigualdades. O Brasil precisa trabalhar para construir um imposto de renda que seja de fato um distribuidor de renda, para inibir a acumulação indefinida de capital”.

“Mas sem mobilização social, sem manifestação de rua, não vai sair. Pois o Congresso Nacional que temos hoje representa os interesses do grande Capital. Nós temos que acumular forças da classe trabalhadora. E é preciso um mote muito objetivo e concreto que dê um horizonte de conquista e vitória. E a vitória que teremos é a de ter uma grande faixa de isenção de imposto de renda e cobrar pesado as altas faixas salariais”, avaliou.

Para o ex-ministro, é fundamental ter uma boa estratégia de mobilização e uma boa estratégia de atuação, com uma bandeira clara – a redução tributária – e um processo de formação, para que as lideranças sindicais dominem o assunto com profundidade.

“Mas creio que o Governo só vai mandar a proposta de distribuição de renda para o Congresso no ano que vem, após a tramitação da parte do consumo. Portanto, temos tempo para nos formar, elaborar uma estratégia, fazer trabalho de base, discutir com os trabalhadores e organizar manifestações”, orientou. “Se o debate pegar, é plenamente possível termos mobilização para ir pra Brasília e pressionar os deputados e senadores para conquistarmos uma vitória”.

E, para Berzoini, outra luta tão grande ou maior do que essa é a regulamentação do artigo 192 da Constituição, que trata do sistema financeiro, para que ele seja menos predatório. “É preciso estabelecer uma máxima de juros, pois os juros que se cobram no Brasil e uma indecência. Mas, se a vanguarda do movimento sindical não tiver a compreensão do absurdo que é a combinação da questão tributária com o sistema financeiro não conseguiremos mudar essas questões e o Brasil não será um país desenvolvido. Pois, somente assim vamos avançar para uma nação mais igualitária, solidária e mais humana”, concluiu.
 

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