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quinta-feira, 18 de abril de 2024

EM CIMA DA HORA

publicado em 14/05/2018

A abolição inacabada

Completaram-se 130 anos de assinatura, pela Princesa Isabel, do Decreto 3353 que extingue oficialmente a escravidão no Brasil, último país do mundo a abolir esse odioso regime econômico e social que, não obstante, gerou uma fortuna incalculável por mais de 350 anos.

Para além da condenação ética da escravidão e sua caracterização como o maior crime de lesa humanidade da história mundial, é necessário que compreendamos àquele sistema como um modelo econômico adotado pelos europeus no bojo da expansão mercantilista, materializada na invasão de outras nações, massacres, saque das riquezas, sequestro de milhões de pessoas e implantação do sistema colonial.

A escravidão fez parte da lógica capitalista e foi determinante para acumulação primitiva do capital. É fundamental denunciarmos que toda a riqueza da classe dominante e do Estado brasileiro tem origem em dois crimes hediondos: O roubo das terras e genocídio dos indígenas e o sequestro da maior riqueza que as nações africanas possuíam: o seu povo, já que somente o Ser Humano tem a capacidade de transformar os recursos naturais em bens e mercadorias. Portanto, o Estado e as oligarquias, herdeiras do sistema escravista, devem valores astronômicos aos descendentes de africanos e indígenas escravizados e espoliados.

Ocorre que os crimes das elites brasileiras, desde sempre detentoras do poder estatal, foram além do regime criminoso mantido por tanto tempo. De maneira a justificar os horrores praticados contra os africanos foram desenvolvendo uma série de narrativas e interpretações acerca dos povos dominados, no que diz respeito ao seu caráter, história, desenvolvimento científico e cultural, religiosidade, desenvolvimento mental e valores éticos, colocando em dúvida até mesmo a sua humanidade.

Para tanto utilizaram a religião, de maneira a afirmar que os africanos haviam sido objeto de uma maldição bíblica e a ciência, adaptando a sociologia e antropologia teses da biologia que hierarquizam os seres vivos. Esse conjunto de elaborações teóricas, que damos o nome de racismo, constituiu-se em uma verdadeira ideologia, posteriormente popularizada e absorvida pelo senso comum.

Ao longo do século XIX as oligarquias foram percebendo o inexorável fim da escravidão, que se daria por três razões principais: a luta dos escravizados, presente desde que o primeiro homem e primeira mulher chegaram aqui na condição de escravizados; a pressão do Império Britânico, que necessitava de assalariados para consumirem seus produtos e a lógica do capitalismo, para quem a compra da força de trabalho tornara-se mais lucrativa do que a compra de um indivíduo, que poderia ser pouco produtivo, adoecer, morrer ou fugir, comprometendo o capital investido.

Todavia, as convicções racistas das oligarquias que protagonizariam a transição do trabalho escravo para o assalariado, faziam com que considerassem os negros inaptos para o trabalho “livre”. Assim, desenvolveram uma série de ações administrativas e legais para impedir a inserção econômica e social dos ex-escravizados e seus descendentes, promovendo a imigração europeia com o objetivo de “branquear” a população brasileira, no espírito da eugenia, corrente filosófica/científica que se propunha buscar uma “boa raça” para o povo brasileiro.

Ou seja, se a escravidão foi determinante para o surgimento do capitalismo, o racismo foi fundamental para sua modernização no Brasil, que teve na marginalização da população negra a sua pedra angular. Não é por acaso, portanto, menos ainda pela ação de indivíduos isolados, que em pleno século XXI constatamos a crueldade do racismo institucional e estrutural que, no mercado de trabalho determina que salários, demissões, admissões e crescimento na carreira, estão condicionados a cor da pele e gênero e não ao mérito do trabalhador e da trabalhadora ou sua produtividade.

O compromisso do movimento sindical com a luta contra a discriminação racial e pela promoção da igualdade é fundamental e vai além da denuncia de empresários, chefes ou colegas que verbalizam o seu racismo, por mais que essas atitudes devam ser denunciadas e execradas publicamente. A luta pela igualdade racial no mundo do trabalho é indissociável da luta sindical, em um país onde 53% da população é negra, a totalidade da classe dominante é branca e a grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras são negros ou afro descendentes.

A CUT, a maior central brasileira e a mais comprometida com a luta contra a discriminação racial, ao denunciar esses 130 anos de uma abolição inacabada, pauta na formação de dirigentes e respectivas categorias e, insistentemente, nas negociações com os empregadores as questões de promoção da igualdade racial, e, somando-se ao movimento negro e as demais entidades que lutam por uma sociedade mais justa para que conquistemos a tão sonhada – e por enquanto uma grande mentira – democracia racial.

Rosana Aparecida da Silva, Secretaria Estadual de Combate ao Racismo da CUT-SP
Ramatis Jacino, historiador, professor da Universidade federal do ABC

  Fonte: CUT-SP
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